Cinco anos antes de a internet chegar comercialmente ao Brasil, em 1990, Ana Claudia Ribeiro, na época com 22 anos, já trabalhava com um hipertexto , um dos primeiros passos do que vemos hoje em nossa tela de computador. Um pouco mais adiante, nos idos da década de 90, Ana também visionou que, em algum momento, os textos iriam sair do papel e migrar para o computador. Sofreu inúmeras resistências por seu pioneirismo dentro da própria Academia e entre parceiros e colegas. Depois de trabalhar em empresas públicas, ONGs e companhias privadas, ousou, empreendeu e criou, dentro da Incubadora de Empresas da Coppe UFRJ, a E-Papers, uma empresa de serviços editoriais voltada para o meio acadêmico brasileiro e com um modelo único de gestão virtual de suas publicações. Encontrou um nicho e um modelo de negócios consistente. Hoje, são mais de 400 títulos em catálogo e outro projeto em desenvolvimento: o selo Frutos, voltado para quem não é do meio acadêmico e tem o sonho de ver um livro publicado. Mas a E-papers e Ana Claudia não param por aí. Confira, abaixo, a entrevista com esta empreendedora na sessão Pingue Pongue com Empreendedores e descubra o que Ana acredita ser o próximo passo da inovação e comportamento no meio virtual. Só para adiantar um pouquinho: “A escrita, em algum momento, vai perder o sentido”, diz Ana. É bom acreditar na moça!
Como surgiu a ideia de criar uma empresa voltada para o mercado editorial acadêmico?
Eu tenho formação diversificada: fiz curso técnico em eletrônica, fiz graduação em Design/ Programação Visual e fiz mestrado em Engenharia de Produção na Coppe. Trabalhei em vários lugares, como empresas públicas e privadas, ONGS e dentro de universidades. Mas, na verdade, eu buscava um local onde eu pudesse me sentir confortável e fazer algo diferente do que via no mercado de trabalho. Formei-me em 1990 e desenvolvi um hipertexto, um precursor da web como utilizamos hoje. E em 1995 a internet comercial chegou ao Brasil.
Ou seja, naquela época, você já tinha uma “veia” visionária e empreendedora, não?
Em 1990, a web começava no mundo e não havia programas específicos. Desde então, eu acreditava que os textos fossem sair do papel e mudar para o computador. Tive muita resistência por conta disso e, para que fosse possível mostrar o meu trabalho, eu precisava levar o meu computador. Esse assunto era de extremo interesse para mim e, em 95, fui convidada a trabalhar em uma empresa pioneira na implantação da web. Em 97, comecei um mestrado já interessada na questão do impresso x eletrônico. Eu já imaginava, na época, que teríamos livros eletrônicos. E ainda não existiam tablets ou ipads. E foi no MBA que tive a ideia de criar um empreendimento. Em 1999, resolvi transformar essa ideia em negócio ao ir para a Incubadora de Empresas da Coppe UFRJ e criei a E-papers.
Qual foi a importância da Incubadora da Coppe UFRJ na história da E-papers?
A Incubadora me deu, além da troca de experiências, formação e aconselhamento, o selo de qualidade. Entrar na Incubadora fez com que as pessoas me respeitassem mais.
Mas por que optou pelo mercado acadêmico?
A ideia inicial era fazer livros em versão eletrônica justamente por ver a necessidade de professores e alunos de publicarem livros e, principalmente, como resolver um problema: o estoque e a distribuição destes livros. Na época, quem quisesse ter acesso àquela publicação, tinha que mandar uma carta para o professor. A internet já estava difundida dentro da universidade e enxerguei que aquele poderia ser o meu nicho.
E como foi a receptividade inicial? Como foi adequar a visão do livro eletrônico e a realidade da demanda, do livro físico?
Comecei a produzir, mas ninguém entendia o que era. Não existia o conceito e-book, e, por isso, acabei tendo que fazer também livros impressos. Comecei a fazer impressões sob demanda, ou seria inviável financeiramente.
Você achou que o livro iria acabar?
Não. O livro de papel é um objeto muito bom. É bom sentir o cheiro do papel. A forma de fabricar mudou, mas é o mesmo livro de sempre.
Você não pensa em diversificar a atuação da E-papers?
Sim, claro. É preciso diversificar porque o mundo acadêmico é limitado. Peixe que dorme, jacaré come. Não podemos nunca achar que tudo está maravilhoso, porque nunca está. Se tudo está bem, certamente outro vai olhar e querer fazer a mesma coisa. É preciso estar de olho no futuro, mas focada na experiência que eu tive e que o novato não tem. Hoje, temos o Frutos, um selo para quem não é do meio acadêmico e tem o sonho de escrever um livro. Além disso, gostaria de fazer o processo de internacionalização da E-papers pela internet, principalmente em países de língua portuguesa. Mas o grande entrave é a divulgação nestes locais, muitos deles com normas burocráticas e onde a internet não tem tanta efetividade.
O que você teria feito diferente ou onde acredita ter errado?
Creio que faltou divulgação para irmos além do meio acadêmico. Arrependo-me de nunca ter tido um sócio, mesmo sabendo ser complicado. Mas, por outro lado, se é para ter um sócio ruim, é melhor não ter nenhum.
E o que faria novamente?
Temos um diferencial, que é o modo de gestão virtual. Hoje, a E-papers tem 5 funcionários e vários prestadores de serviço e todo o processo é feito pelo site – do estoque à produção editorial, com um sistema desenvolvido internamente.
Como “visionária”, qual a sua próxima ideia ou avaliação do mercado e do modo de comunicação?
No longo prazo, a tendência não é o fim do livro, mas o fim da escrita como forma de transmissão de conhecimento. É o fim da escrita como registro do presente. Atualmente, as pessoas já registram o presente com foto, vídeo e narrativa de voz. A escrita, em algum momento, vai perder o sentido.